Era o último domingo do ano, na liturgia do culto o convite para a primeira música: “Canta, minh’alma. Canta ao Senhor. Rende-lhe, sempre, ardente louvor”. Cantei o hino com os irmãos, mas, dentro de mim, procurava saber como seria possível a alma cantar. Lembrei-me, então, do clássico bossa-nova do Tom Jobim onde ele diz: “Minha alma canta. Vejo o Rio de Janeiro” e, também, de outros dois livros: o Evangelho de Lucas e as Crônicas de Nárnia.
O Evangelho de Lucas inicia narrando o anúncio do nascimento de Jesus. Maria, após ouvir do anjo Gabriel que seria a mãe do Filho de Deus visitou sua prima Isabel, onde declarou: “Minha alma engrandece ao Senhor. Meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”.
No livro O Sobrinho do Mago das Crônicas de Nárnia de C.S. Lewis há a descrição de Aslam criando Nárnia: “No escuro, finalmente, alguma coisa começava a acontecer. Uma voz cantava. Muito longe. Nem mesmo era possível precisar a direção de onde vinha. Parecia vir de todas as direções. (...) Certas notas pareciam a voz da própria terra. O canto não tinha palavras. Nem chegava a ser um canto. De qualquer forma, era o mais belo som que ele já ouvira. (...) Era um Leão. Enorme, peludo e luminoso, ele estava de frente para o sol que nascia. Com a boca aberta em pleno canto, ali estava ele, a menos de trezentos metros de distância. (...) O Leão andava de um lado para o outro na terra nua, cantando a nova canção. Era mais suave e ritmada do que a canção com a qual convocara as estrelas e o sol; uma canção doce, sussurrante. A medida que caminhava e cantava, o vale ia ficando verde de capim. O capim se espalhava desde onde estava o Leão, como uma força, e subia pelas encostas dos pequenos montes como uma onda."
Percebi, então, que a alma canta sim. Ela canta quando percebe a beleza diante dela. Mas não é um puro canto com palavras e melodia. É mais que isso. Vai além dos lábios e do som. Exige mais fôlego que pulmões podem carregar. Precisa-se de mais verdade que as letras podem expressar. Dura mais tempo que os instrumentistas conseguem acompanhar.
Após responder a mim mesmo que era possível a alma cantar quando a beleza fosse contemplada, Deus me lembrou que a autora do hino presente na liturgia do culto, Fanny Crosby, não podia ver, pois era cega. A alma só pode cantar quando ela mesma contempla a beleza. Beleza que nossos limitados olhos nunca irão visualizar.
Desejo, sempre, que minha alma cante ao perceber a beleza de Deus que está presente em toda criação, inclusive em nós, e convido você a cantar comigo.
“Canta, minh’alma. Canta ao Senhor. Rende-lhe, sempre, ardente louvor”
Carlos Daniel